Fishing Expedition e o Encontro Fortuito de Provas: Limites Constitucionais à Atuação Policial

Este artigo analisa os limites da atuação policial no cumprimento de mandados de prisão e a ilegalidade de buscas não autorizadas no domicílio, destacando os riscos da chamada fishing expedition e a nulidade das provas obtidas de forma ilícita.

FILIPE MACHADO

7/3/2025

A atuação da polícia na persecução penal está sujeita a limites constitucionais claros, entre eles o respeito à legalidade, à proporcionalidade e, sobretudo, à proteção da intimidade e da vida privada do investigado. Um tema que tem gerado grande debate na prática forense é o uso de diligências autorizadas para um fim específico — como o cumprimento de mandado de prisão — como pretexto para buscas genéricas no interior da residência. Essa prática, conhecida como fishing expedition (ou pesca probatória), representa uma distorção grave do processo penal e uma violação direta de garantias fundamentais.

A fishing expedition ocorre quando a autoridade policial, sem qualquer autorização específica para busca e apreensão, aproveita-se de uma diligência válida — como uma prisão decretada — para realizar inspeções informais no ambiente do investigado, com o claro objetivo de localizar indícios de outros delitos. Trata-se de uma forma de investigação especulativa, baseada no acaso e não em elementos concretos de prova. Em outras palavras, busca-se encontrar “algo errado”, sem que haja prévia delimitação judicial do objeto da medida.

É cada vez mais comum observar situações em que, ao dar cumprimento a um mandado de prisão, agentes públicos realizam uma verdadeira varredura no domicílio do acusado, sem que exista ordem judicial autorizando buscas ou apreensões no local. Nessas circunstâncias, objetos ilícitos eventualmente localizados — como drogas, armas ou eletrônicos — são apreendidos e utilizados como prova em novos procedimentos. Essa prática, no entanto, é juridicamente inválida.

O ponto central é que o mandado de prisão não autoriza, por si só, o ingresso amplo e irrestrito na residência para finalidades investigativas. A entrada forçada no domicílio deve estar sempre vinculada a uma autorização judicial específica, quando não se tratar de flagrante delito. Quando essa autorização inexiste, qualquer busca realizada configura violação à inviolabilidade do lar e, consequentemente, contamina as provas obtidas.

Em tais casos, não se pode falar em “encontro fortuito de prova”, pois o que se verifica é uma busca ilegal disfarçada de diligência legítima. O encontro fortuito, por definição, ocorre quando, no cumprimento regular de uma ordem judicial válida e restrita, surgem elementos de prova não previstos originalmente, mas que decorrem de forma involuntária e incidental da diligência. Quando há uma conduta deliberada de vasculhamento sem respaldo judicial, o ato se converte em ilícito, e todos os seus frutos são imprestáveis.

Admitir que o cumprimento de um mandado de prisão autoriza buscas não autorizadas equivaleria a legitimar um modelo de investigação informal e oportunista, em que a legalidade é relativizada a depender do conteúdo encontrado. Isso afronta frontalmente o devido processo legal e promove uma perigosa inversão de valores: em vez de as provas sustentarem a acusação, busca-se uma acusação que justifique uma prova obtida à margem da lei.

Além disso, essa prática revela o uso distorcido da atividade investigativa como instrumento de violação de direitos, especialmente em contextos de hipervigilância seletiva. Residências de indivíduos em situação de vulnerabilidade social e bairros periféricos são, não raramente, alvos de ações invasivas, com base em estigmas e suspeitas genéricas, afastando qualquer controle judicial efetivo sobre os atos de persecução.

Na prática defensiva, é essencial impugnar esse tipo de prova desde o início, por meio de requerimentos de nulidade e de reconhecimento da ilicitude do material arrecadado. A defesa técnica deve demonstrar que não havia mandado de busca, tampouco fundada suspeita de crime em andamento, sendo a diligência meramente exploratória — uma violação direta da esfera privada do indivíduo.

Em suma, o cumprimento de mandado de prisão não é salvo-conduto para devassa domiciliar. A investigação criminal deve se pautar pela legalidade estrita, e as provas obtidas à revelia dessa regra não podem ser aproveitadas, sob pena de se institucionalizar o arbítrio e a quebra de garantias elementares do processo penal.

Na dúvida, consulte sempre um advogado criminalista de sua confiança. A análise técnica das provas e da legalidade das diligências é fundamental para a proteção dos seus direitos.